Efeitos da cannabis no tratamento da epilepsia
O uso medicinal da Cannabis no tratamento da epilepsia vem sendo difundido cada vez mais no Brasil e no mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 50 milhões de pessoas receberam o diagnóstico de epilepsia.
A terapia utilizando os canabinoides tem sido eficaz no combate aos sintomas gerados pela patologia e é uma opção para aqueles pacientes cujo organismo apresenta resistência aos anticonvulsivantes convencionais.
Estudos que comprovam a ação das substâncias presentes na Cannabis já são realizados no país desde 1980 e, atualmente, a epilepsia é um dos campos com mais pesquisas sólidas.
Para entender como a Cannabis pode ajudar no tratamento da epilepsia, continue a leitura.
Ação medicinal da Cannabis no tratamento da epilepsia
A epilepsia é uma patologia neurológica caracterizada por uma disfunção cerebral com consequentes crises convulsivas — que ocorrem quando há manifestação de sintomas devido à atividade neuronal anormal, excessiva ou sincrônica no cérebro, causando uma ‘pane no sistema’.
O tratamento e abordagem para esta patologia se torna ainda mais desafiador diante da demanda de cuidados multi e interdisciplinares, bem como a terapia medicamentosa, que são pilares fundamentais no controle e acompanhamento desses pacientes.
Atualmente, existem mais de 20 fármacos para tratamento da epilepsia, porém, apesar de um número considerável de medicamentos com diferentes mecanismos de ação, o controle do paciente da patologia permanece irregularnas síndromes refratárias.
Diante disso, o canabidiol (CBD) vem se destacando como uma terapêutica alternativa e eficaz, principalmente em pacientes com epilepsia de difícil controle, trazendo oportunidade de controle adequado, reduzindo a mortalidade e melhorando a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares.
O que dizem os principais estudos?
A ação do CBD no tratamento da epilepsia acontece por meio do Sistema Endocanabinoide, que compreende um complexo de ligantes e receptores (CB1 e CB2) e, por sua vez, exerce funções reguladoras no funcionamento neuronal.
Os receptores CB1 e CB2, distribuídos amplamente pelo corpo humano, e os canabinoides produzidos de forma endógena (anandamida e 2-araquidonilglicerol) estão relacionados a vias GABA e glutamatérgicas, conhecidas por estarem envolvidas na regulação excitatória e susceptibilidade a convulsões, o que pode explicar as propriedades anticonvulsivantes do CBD
A Cannabis possui cerca de 120 canabinoides, sendo o canabidiol (CDB) e o tetraidrocanabinol (THC) os mais estudados e conhecidos.
Em um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, mostrou-se melhora significativa no controle de crises convulsivas em pacientes com síndrome de Lennox-Gastaut. Cerca de 225 pacientes foram incluídos na pesquisa, com três braços distintos, sendo um deles tratado com placebo.
Após 28 dias de follow-up, nos grupos com uso de canabidiol houve redução de cerca de 40% na frequência de crises convulsivas, quando comparado a apenas 17% de redução do grupo placebo.
Da mesma maneira, com pacientes portadores da Síndrome de Dravet, transtorno infantil complexo que está associado a convulsões resistentes à terapia medicamentosa, estudos evidenciaram melhora significativa no controle das crises convulsivas.
Também com desenho duplo-cego controlado por placebo, Devinsky e colaboradores mostraram que a frequência média de crises convulsivas por mês diminuiu de 12,4 para 5,9 com canabidiol, em comparação com uma diminuição de 14,9 para 14,1 com placebo.
Resultados clínicos
Com isso, entende-se que a ação do canabidiol no tratamento da epilepsia acontece através da interação dessa substância com o Sistema Endocanabinoide, composto por receptores amplamente distribuídos no Sistema Nervoso Central.
O CBD é capaz de auxiliar no tratamento da epilepsia atuando nos receptores CB1, reduzindo neurotransmissões excitatórias e estimulando neurônios inibitórios, na tentativa de reequilibrar a atividade elétrica neural.
O canabidiol também é capaz de regular os receptores vaniloides TRPV1 no cérebro, além de atuar em vias GABA, mecanismos conhecidos na fisiopatologia das crises convulsivas
Assim, o canabidiol reduz a excitabilidade neuronal, evitando a superexcitação das transmissões neuronais e, consequentemente, reduzindo as crises convulsivas.
Por fim, dada a gama de distúrbios envolvidos com crises convulsivas, a possibilidade de novos tratamentos para esses distúrbios é extremamente valiosa.
Menos crises, mais qualidade de vida
A epilepsia não costuma afetar a rotina quando as crises estão controladas por medicamentos. No entanto, para as pessoas que apresentam resistência aos anticonvulsivantes e crises frequentes, a qualidade de vida é diretamente comprometida.
Afinal, a patologia pode causar consequências neurológicas, cognitivas, psicológicas e sociais ao paciente, a depender da frequência e duração das crises. Estima-se que até 70% das pessoas com epilepsia não recebem diagnóstico e tratamento adequados.
Assim, o uso medicinal da Cannabis no tratamento da epilepsia se destaca mais uma vez. Além do controle das crises, as substâncias propiciam os seguintes benefícios:
- Sono reparador;
- melhora da alimentação;
- desenvolvimento comportamental e;
- possui efeitos ansiolíticos que colaboram para a saúde mental do paciente.
Além disso, quando as crises epilépticas são constantes durante a infância e adolescência, o desenvolvimento do sistema nervoso é afetado.
Uma pesquisa online realizada com pais de crianças que possuem epilepsia, publicado no Epilepsy and Behavior, revela que o uso de cannabis medicinal com alto teor de CBD resultou na redução da frequência das crises epilépticas em 85% das crianças e 14% delas pararam de ter crises.
Outro estudo publicado em 2018, no Cureus, avaliou seis pesquisas sobre o uso da cannabis medicinal como tratamento para epilepsia e concluiu que os estudos recentes realizados com mais de 100 participantes foram capazes de comprovar a eficácia do canabidiol em reduzir a regularidade das crises epilépticas.
Baixos efeitos adversos
Mais um destaque dos produtos à base de Cannabis em relação aos tratamentos e medicações convencionais para epilepsia é a baixa incidência dos efeitos adversos: não provoca irritabilidade e nem oscilações de humor, por exemplo.
Por sua vez, foram relatados efeitos como fadiga, sonolência, diarreia, perda ou ganho do peso e redução ou aumento do apetite.
É válido destacar que o uso medicinal da Cannabis no tratamento da epilepsia deve ser usado em uma abordagem multidisciplinar para que o paciente tenha melhor proveito.
Lembrando que é imprescindível o acompanhamento médico para dar início ao tratamento com canabinoides. Ele será responsável por indicar qual o produto ideal e a dosagem, de acordo com as necessidades individuais de cada paciente.
O que são as crises epilépticas?
As crises epilépticas são sintomas decorrentes de descargas cerebrais anormais, que podem se caracterizar como convulsivas ou não.
O grau destas crises está relacionado às áreas do cérebro afetadas, podendo gerar as crises epilépticas totais (as mais características da síndrome) quando a desorganização dos sinais elétricos acontece nos dois hemisférios do cérebro, e as crises epilépticas parciais em que a desorganização é em apenas um dos hemisférios cerebrais.
No caso, os episódios de convulsão acontecem quando “a pane” afeta ambos os lados do cérebro, fazendo com que a pessoa caia, todos os músculos do corpo se contraem, causando salivação e espuma pela boca, além de respirar de forma ofegante.
Por mais que as crises convulsivas possam parecer desesperadoras, é importante auxiliar a pessoa naquele momento. O indicado é deitar a pessoa de lado, para que a saliva não vá ao pulmão, e evitar que ela bata a cabeça devido aos movimentos corporais involuntários.
Também podem ocorrer crises focais, quando apenas uma área específica do cérebro tem atividades excessivas. Dessa forma, os sintomas vão depender de qual área entrou em curto. Ou seja, se for relacionada ao olfato, a pessoa pode sentir cheiros desagradáveis; se for relacionada à visão, ela pode ver pontos escuros ou flashes coloridos, por exemplo.
Diagnóstico e tratamento
Diante a manifestação das crises, é de extrema importância encontrar o tratamento mais adequado para conter as crises.
O diagnóstico de epilepsia é realizado caso o paciente tenha crises espontâneas e frequentes, com um período de no mínimo 24 horas entre uma e outra, além de exames complementares e análise clínica do histórico de saúde.
As crises epilépticas costumam durar cerca de um a cinco minutos, e o paciente consegue manter uma qualidade de vida ao controlar as crises em si e seus gatilhos.
Ao longo do texto, você percebeu que o avanço do conhecimento científico sobre o uso medicinal da Cannabis no tratamento da epilepsia demonstra que essa nova abordagem terapêutica pode contribuir de forma significativa para o controle da doença e proporcionar mais qualidade de vida aos pacientes.
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Referências
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